13 de fevereiro de 2020

Quais os Principais Desafios Enfrentados por Produtores de Café?

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Ser um produtor de café significa viver uma vida de incertezas. Apesar das medidas que podem ser tomadas para melhorar a qualidade e, portanto, os preços, a verdade é que as tendências do mercado e o rendimento / qualidade da colheita são imprevisíveis. Nada é certo até que o café seja ensacado, e o preço tenha sido pago.

E os produtores de café são visivelmente mal pagos em um setor relativamente rico.

Parte disso se deve à estrutura da cadeia de produção. Outra parte é devido aos riscos inerentes à cafeicultura, desde condições climáticas imprevisíveis à pragas e escassez de mão-de-obra.

Não poderíamos esperar cobrir de forma abrangente todas essas questões em apenas um artigo, mas aqui estão alguns dos maiores e mais urgentes desafios enfrentados pelos produtores de café em todo o mundo.

Leia em Inglês: What Are The Main Challenges Faced by Coffee Producers?

Produtores de café de El Manzano, em El Salvador. Crédito: Campos Coffee

Pestes, Doenças e Fungos

Pragas, doenças e fungos se tornaram uma ameaça real para muitos produtores. A ferrugem do cafeeiro (la roya, em espanhol) é uma das doenças mais conhecidas e vem afetando as lavouras de café há mais de um século. Em 2012, atingiu duramente a América Central. E nos dois anos seguintes, causou mais de US $ 1 bilhão em danos (USAID).

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Maria Pacas, uma produtora de café na quinta geração do Café Pacas, em El Salvador, conta que percebeu que os níveis das safras diminuíram nos últimos anos devido à epidemia de 2012. Na região de Ixil, na Guatemala, ela destruiu 75% da safra de café.

Embora a ferrugem não afete todas as variedades e espécies de café, normalmente são as que produzem café de melhor qualidade – e que são vendidas por preços mais altos – que são mais suscetíveis. E mesmo os agricultores que optam por plantar espécies e variedades de café resistentes à ferrugem, aceitando a diminuição da renda em troca de menor risco, ainda são vulneráveis. Como organismo vivo, a ferrugem está evoluindo constantemente.

Depois de 2012, muitos agricultores em Honduras plantaram Lempira como uma cultura de substituição resistente à ferrugem. Mas no início deste mês, foi noticiado que a WCR (World Coffee Research) havia re-categorizado a Lempira como suscetível à ferrugem – e advertiu os produtores de Honduras sobre “o possível desenvolvimento de um ataque severo quando as chuvas se firmarem”.

No Facebook, a WCR respondeu à situação afirmando que “um problema fundamental é que temos confiado nas mesmas variedades para resistir à ferrugem por muitos anos”. No entanto, a mudança de safra é cara, especialmente quando se leva cinco anos para que as árvores produzam a mesma quantidade de café. E a pesquisa leva tempo.

Outro grande problema é o besouro da broca do café (la broca, em espanhol), que perfura a cereja do café e põe ovos no endosperma da semente. Mas os fazendeiros precisam ficar atentos a muito mais do que apenas a broca: outras pragas comuns incluem a cochonilha verde e outras, cupins, bicho-mineiro e muito mais. Todos afetam a qualidade e o rendimento das culturas de café.

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Ferrugem: uma doença foliar devastadora que ameaça o café em todo o mundo. Crédito: Patrick Murray

Mudanças Climáticas Trazem Problemas para o Arábica

Os produtores não têm poder sobre as mudanças no meio ambiente, mas quando a colheita deles sofre como resultado disto, eles também sofrem. Eles precisam da safra para cobrir os custos fixos que tiveram ao longo do ano.

Atualmente, a mudança climática está levando ao aumento das temperaturas e a novos padrões de precipitação – algo que está colocando as espécies de café arábica sob ameaça. Existem quatro espécies principais: Arábica, Robusta, Excelsa e Liberica. O arábica é amplamente considerado o de melhor qualidade, graças às suas notas aromáticas, e por isso atrai preços mais elevados. Também é responsável por aproximadamente o dobro do mercado internacional de café (ICO).

No entanto, o Arábica é mais sensível aos aumentos de temperatura, o que reduz o seu crescimento, capacidade de florada e, consequentemente, a capacidade de produzir frutos. Precisa crescer em temperaturas mais baixas que as outras espécies. Isso significa que geralmente é cultivado em altitudes mais altas.

À medida que o clima muda, a terra fértil disponível para o arábica diminui. Na verdade, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) previu uma redução de 10-20% na produtividade total das colheitas até 2050. Além disso, as pragas que antes achavam as grandes altitudes das fazendas de arábica muito frias para sobreviver, agora são capazes de prosperar lá. E o arábica é mais sensível a estes do que o robusta.

É fácil ouvir dados como esse e não conseguir visualizar o impacto real na fazenda. Mas, embora essa mudança ocorra lentamente, ao longo dos anos, ela ainda é visível em árvores mais fracas e em maior número de pragas.

Mudança climática afeta os níveis de altitude em que o café cresce. Crédito: Angie Molina Ospina

Mudança Climática e Chuvas Inesperadas

Além disso, as chuvas repentinas têm um impacto forte e imediato. Os produtores dependem de uma safra seca – algo que, em determinado momento, na maioria dos países, eles poderiam considerar quase garantido. Agora, no entanto, é uma história diferente.

A chuva forte pode causar problemas durante a colheita e o processamento: cerejas se partindo na árvore e perdendo sua mucilagem, fermentação durante o processamento e muito mais. Esta é uma preocupação especial quando os produtores são de honey, cereja descascado ou de café processado natural / seco, uma vez que estes precisam de muito tempo sob luz solar direta para secar completamente.

Ela também pode levar a colheitas imprevisíveis. As cerejas de café amadurecem nove meses após a florada do café (com Arábica – isto varia de espécie para espécie). No entanto, a Eko Purnomowidi, uma produtora de café em Java, na Indonésia, e parceira da Olam Specialty Coffee, conta que os padrões variáveis ​​de chuvas sazonais causaram uma florada irregular nos últimos anos. Isso significa que as cerejas de café amadureceram em momentos diferentes.

O resultado? Os safristas, trabalhadores que fazem a colheita do café, também precisam coletar as cerejas em momentos diferentes. Se eles administrarem mal, podem acabar colhendo cerejas de café não maduras – o que terá um impacto negativo no sabor do café e significa que os compradores de café especial ficarão menos interessados.

Alternativamente, a fruta muito madura começa a desenvolver notas herbais menos atraentes. E se as cerejas caírem da árvore, porque foram deixadas muito tempo antes de serem colhidas, elas podem fermentar no chão e causar sabores desagradáveis ​​na xícara. No pior dos casos, pode resultar em defeitos completos de grão preto ou de parcialmente preto no café verde – e apenas um único grão preto em uma amostra de 300g excluirá o status de café especial.

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Reduções de Mão de Obra

Analisamos questões relacionadas à cultura do café em si. Agora vamos ver os produtores de café e os trabalhadores agrícolas.

Heleanna Georgalis, diretora-geral da Moplaco, Etiópia, diz que um dos maiores riscos que ela vê é a falta de mão de obra. O processamento de café requer trabalhadores em todas as etapas do processo.

No entanto, a idade média de um produtor de café está crescendo e a quantidade deles diminuindo. Jovens de famílias produtoras de café, vendo as dificuldades enfrentadas por suas famílias, muitas vezes escolhem migrar para a cidade para encontrar melhores oportunidades.

Além disso, os agricultores muitas vezes falam sobre a dificuldade de encontrar profissionais para colher as cerejas de café da árvore. Já falamos da importância da colheita de cafés quando maduros, mas isto só é possível quando há pessoal suficiente.

Na maioria dos lugares, a colheita de café é sazonal e às vezes até um trabalho nômade. Os safristas são pagos com base no peso das cerejas que coletam e precisam trabalhar 8 horas por dia em terrenos íngremes para receber seus salários. Então, no final da colheita, eles têm que encontrar outros empregos ou mudar para outras regiões. Fica fácil entender por que as pessoas podem escolher outras formas de trabalho.

Evelio Francisco Alvarado, Gerente Geral da Anacafé, conta que a mão de obra representa 50% a 65% do custo da produção de café na América Latina. Mas quando há poucos trabalhadores disponíveis, o preço aumenta. Maria Pacas também me conta que esse aumento nos custos a forçou a automatizar alguns dos processos do Café Pacas.

Sem os colhedores de café, o fruto fermentaria na planta. Crédito: Campesino Specialty

Flutuação de Preços e Rendas Não Confiáveis 

Tanto os produtores de café commodity quanto os de tipo especial são afetados pelas flutuações de preço, embora haja diferenças na maneira. Vamos começar analisando o café commodity.

O preço da commodity (preço C) é baseado principalmente na Bolsa de Nova York. Mas Evelio Francisco Alvarado explica que esse preço flutua regularmente. Veja como exemplo o Brasil: de 2010/11 a 2013, os preços do café caíram para menos da metade, enquanto os custos continuaram subindo. Infelizmente, o preço C é baseado na oferta e demanda – não no custo da agricultura.

Além disso, devido a essas flutuações, os produtores não conseguem prever tendências de preço e se planejar com antecedência. Evelio me conta que a Anacafé considera isso crucial, pois os produtores precisam conhecer seus custos de produção e ver suas fazendas como uma organização real e lucrativa.

Jhon Espitia, agrônomo e cafeicultor da Colômbia, me diz que isso se torna mais complexo quando olhamos para o impacto da mudança climática. Os produtores sabem que, se eles se concentram em café de alta qualidade, eles podem tentar entrar no mercado de especiais. Isto está normalmente ligado ao aumento da renda – mas também requer maiores investimentos em termos de recursos e esforços. Os produtores estão trocando um risco por outro.

O maior medo de um produtor que está pensando em trabalhar com cafés especiais é que eles não receberão o suficiente em troca de seus esforços. Ou que talvez eles consigam em algum ano, mas, no período seguinte, o clima os impeça de produzir café de qualidade e eles percam o preço premium.

Cerejas de café vermelhas e maduras secam em terreiros na Finca El Manzano/Cuatro M Dry Mill, El Salvador. Crédito: Cuatro M

Habilidade Limitada para Avaliar o Café

Ligado a preocupações com preço e qualidade está o fato de muitos produtores serem incapazes de avaliar seu próprio café da mesma forma que compradores e consumidores. Isso pode dificultar tanto a melhora dos métodos de cultivo quanto a negociação com os compradores.

Heleanna explica que isso é especialmente difícil para os pequenos agricultores, que são muito focados em suas necessidades básicas para que possam sobreviver dia após dia. Para eles, o que um consumidor quer é de pouca relevância para sua vida.

E para aqueles capazes de se concentrar na qualidade do café, eles ainda precisam adquirir novas habilidades: conhecimento sensorial e de degustação, entendimento do mercado e, muitas vezes, marketing – ou pelo menos uma forma de se tornar visível para os compradores de cafés especiais. Esta é outra razão pela qual o café especial pode ser um risco.

“Agricultores maiores e cooperativas maiores se preocupam, e tentam produzir café melhor, se o incentivo ao preço estiver lá”, diz Heleanna. “Não se esqueça de que os consumidores querem o melhor sem ter que pagar por isso. E, embora os consumidores realmente paguem preços melhores, isso não é canalizado para o produtor. É o importador quem se beneficia, na maioria dos casos ”.

Uma família de produtores indígenas de café em Cauca, Colômbia. Crédito: Angie Molina Ospina

A cafeicultura fornece subsistência para milhões de pessoas em todo o mundo. Esses desafios têm um impacto real em suas vidas, sejam eles proprietários de grandes fazendas ou pequenos produtores que produzem apenas 30 sacas de 60 quilos por ano.

Não há solução fácil para esses desafios. Mas, como consumidores, compradores, torrefadores e baristas, precisamos pedir mais do que uma xícara de café. Temos a capacidade de escolher onde gastamos nosso dinheiro – e perguntar com quanto os produtores são pagos.

Traduzido por Ana Paula Rosas.

PDG Brasil

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